Nampula (IKWELI) – O imbróglio entre o grupo Rajahussein Gulamo e o Banco de Moçambique (BM) em torno da disputa de titularidade sobre o espaço onde o banco regulador está a erguer as obras da filial de Nampula continua entre as partes.
Segundo apurou o Ikweli, o referido grupo empresarial é, até então, o titular legal do Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT), segundo decisão do Plenário do Tribunal Administrativo, em acórdão datado do ano 2016 e sob número 7/2016.
No meio empresarial de Nampula, os comentários e discussões em torno ainda são ascendentes, uns provendo razão ao grupo empresarial, e outros nem por isso.
A reportagem do Ikweli conversou com Momade Aquil Rajahussein, do grupo em causa, o qual, lamentando, disse não entender as razoes que levam a administração do BM a agir com tamanha má-fé, mesmo dominando a ilegalidade que está cometendo.
“A titularidade do espaço foi conseguida entre 2001/2002. Foi um processo transparente que seguiu os seus tramites legais”, garante Momade Aquil Rajahussein.
Esta fonte contextualiza, ao caso, que “não fomos contactados pelo município, apenas nos apercebemos quando foram colocadas as chapas de zinco em redor do espaço e ficamos sem saber o porquê de o Banco de Moçambique ter iniciado com as obras”, sabendo que o DUAT tinha o grupo como titular.
“Este é um processo complexo, e que se tornou longo”, afirma Momade Rajahussein, tímido e pouco aberto para discutir na mídia, quando aceitou falar ao nosso jornal apontou que “nós fomos notificados pelo município de Nampula, nos anos 2010/2011, a nos dizer que o projecto que nós tínhamos de construção de um hotel não ia avançar porque havia problemas de riscos que se colocavam em termos de riscos físicos contra o governador da província, porque o terreno está a uma rua de distância do edifício do governo”.
Nessa altura, prossegue a fonte, “nós recorremos para a nulidade deste acto administrativo, porque o presidente do município não tem autoridade de revogar licenças de DUAT. Aquilo devia ser um acto feito pelo Tribunal”, por isso, “nessa altura recorremos, por uma reclamação administrativa, ao ministro da Administração Estatal. Tivemos a resposta, e não satisfeitos com a resposta escrevemos, através de uma exposição, ao então Presidente da República. Obtivemos uma resposta dizendo que este assunto de litígio de terreno não devia ser discute ao nível do governo, mas sim em tribunal porque o parecer jurídico da presidência apontava que essa discussão tem que ser feita em tribunal. E foi o que nós fizemos, quando vimos que o Banco de Moçambique tinha vedado o terreno metemos uma providenciar cautelar junto do Tribunal Administrativo (TA), em Maputo [na altura Nampula não tinha representação do TA], e recebendo o nosso embargo, obviamente, o Banco de Moçambique foi notificado e a resposta do Banco de Moçambique é de que sendo uma instituição do Estado era de propor ao Tribunal Administrativo para não ser feito o embargo da obra, porque sendo instituição do Estado assumiam as consequências que o processo principal tivesse. Portanto, se sai a nosso favor, eles nos indemnizariam, e nós perdendo não haveria mais nada que fazer”.
Por outro lado, o nosso entrevistado afirma que “este processo levou largos anos. Só em 2016 é que foi a última instância do Tribunal Administrativo, que foi a decisão do Plenário, onde nos deram razão. Como deve ter se apercebido, o Banco de Moçambique foi notificado para não iniciar a obra”.
Momade Aquil Rajahussein volta ao passado, e recorda-se que já tinha sido realizado o lançamento da primeira pedra para a construção da infra-estrutura do grupo que representa, e afirma que “o lançamento da primeira pedra do hotel foi um acto oficial”, e contou com a presença de altas individualidades.
Retomando ao processo, a fonte prosseguiu que “nós submetemos a providência cautelar muito antes do início da obra, porque quando o Banco de Moçambique faz a vedação do terreno com chapas de zinco, antes de partirem as nossas benfeitorias que estão até registadas na conservatória do registo predial de Nampula, nós havíamos metido esta providência cautelar que era para proibir o início da obra nova. Portanto, se o Banco de Moçambique tivesse respeitado e não tivesse entrado com o pedido para que a nossa providência não fosse decretada, hoje não estaríamos aqui a discutir investiram sei lá quantos milhões e teríamos, primeiro, esperado o processo terminar em tribunal, fosse achada a parte que ganhou, que nesse caso somos nós, e não estaríamos a discutir aqui mais nada”.
No seu entender, tudo aquilo “por má-fé. Eles (BM) sabiam que aquele terreno não lhes pertencia, mesmo assim arrancaram com a obra. Isto foi um ano depois da entrada da nossa providência cautelar”.
Em relação a decisão do Plenário do TA, Rajahussein afirma que “quando fomos notificados da sentença ficamos felizes. É uma decisão do Plenário e sobre essa sentença não há mais recurso”, pelo que “assim que fomos notificados mandamos um e-mail a administração do Banco de Moçambique a informar que tínhamos sido notificados da sentença que o terreno é nosso e que estaríamos abertos a sentar para negociar. A resposta que obtivemos é que eles não eram parte e que querem era parte é o conselho municipal de Nampula, mas o processo, no Tribunal, correu entre nós e o Banco de Moçambique. Portanto, o conselho municipal nunca foi parte do processo. Fomos insistindo até que tivemos um encontro, e nesse encontro foi nos dito, claramente, que o Banco de Moçambique não tinha culpa, não sabia que havia litígio sobre terreno e que lhe foi alocado o terreno e que não estavam dispostos a discutir mais nada”, tanto que “depois de muita insistência tivemos apenas uma única reunião até hoje, disseram que não tinham nada a ver, mas, entretanto, o Banco de Moçambique esteve representado pelos seus advogados a discutir esse mesmo assunto junto do Tribunal. Isto é má-fé”.
Ainda assim, segundo o nosso entrevistado “ao não estarmos a ver nenhum resultado depois da reunião, fomos insistindo. Mandamos várias cartas, inclusive quando o Banco de Moçambique inaugurou a sede em Maputo mandamos uma missiva para o Governador do Banco de Moçambique a dizer que estávamos honrados em ver a inauguração daquela majestosa construção em Maputo e gostaríamos de ver a obra em Nampula concluída, mas que para isso era preciso que nós sentássemos e chegarmos a um acordo amigável. O diálogo é que une as partes. Não tivemos resposta”, e de forma insistente, “mandamos uma carta atrás da outra, mandamos o dossier para o vice-governador, por instruções do Chefe do Estado, porque ele, também, estava preocupado e continua preocupado em ver aquela obra fechada. Tive um encontro com o vice-governador, mandei o processo para Maputo e até hoje não temos nenhuma resposta”.
“E mais caricato disto tudo é que numa das secções do Tribunal Judicial da Província de Nampula, onde está a correr o caso, na audiência que foi marcada, o próprio advogado representante do Banco de Moçambique, dizia taxativamente, e ficou registado em acta, que o problema do Banco de Moçambique não é um problema institucional, é um problema pessoal, porque o actual governador acha que este [o litígio] é da administração anterior a ele. Portanto, não é esse assunto dele. Isto não faz sentido porque o Estado continua, os actores mudam e não quer dizer que aquele que está hoje não tem responsabilidade sobre os actos praticados anteriormente”.
Momade Aquil Rajahussein diz que o grupo não está interessado em prejudicar a quem quer seja, ao que, no seu entender, “é preciso que as partes sentem, de espírito e vontade para resolver esse imbróglio, senão nunca mais chegamos ao fim”.
“Nós fomos obrigados a recorrer a justiça de novo porque a decisão do Plenário do Tribunal Administrativo deu-nos razão e mandou anular os DUATs que tinham sido emitidos a favor do Banco de Moçambique dizendo que os DUATs validos são do senhor Raja Hussein Gulamo. Depois de várias tentativas de termos um diálogo pacifico com o Banco de Moçambique, fomos obrigados a entrar com uma providência cautelar não especificada a 24 de Junho de 2016. O fundamento da providência cautelar era o tal acórdão 7/2016, que foi proferido pelo Tribunal Administrativo”, conta o nosso entrevistado.
Rajahussein não fala dos valores exigidos na indemnização, por entender que não seja o foco como tal, mas esclarece que “as indemnizações são calculadas na base daquilo que são as perdas. Portanto, a primeira perda são os investimentos que nós tínhamos feito naquele terreno, a segunda perda é o facto de nós termos sido forçados a parar com o projecto, e esse projecto poderia gerar receitas. Foi na base das projecções que tinham sido feitas que se chegou a um valor. Nunca foi intenção nossa dizer ou vocês pagam isso ou não há negociação. Como eu disse antes, nós escrevemos por várias para o Banco de Moçambique a dizer vamos sentar, vamos chegar a um acordo”.
O nosso entrevistado comenta que “se tivéssemos trocado de posição. Se tivesse sido eu a construir num espaço de litígio e o Estado tivesse ganho, hoje estava sem obra. Tinham entrado lá com máquinas e partido tudo”, tanto que “o Tribunal Judicial de Nampula decidiu ou paga a indemnização ou parte a obra, e parte a obra por expensas do Estado. Agora seria, também, injusto do nosso lado, sendo nós moçambicanos, patriotas, que não temos problemas com ninguém, seja lá quem for, de ver uma obra daquela magnitude destruída. Não faz sentido. Por essa razão nós sempre pactuamos por um acordo entre as partes, mas se a outra parte não quer estar na mesa para falar e chegar a um ponto de equilíbrio, também, não se pode aqui fazer milagres”.
Os processos entre as partes, ainda, prosseguem nas instâncias judiciais e Momade Aquil Rajahussein afirma que “há mais de dois processos em curso (um – o principal, que é o pedido de indemnização ou demolição da obra, e um da providência cautelar), os quais já foram julgados em primeira instância e agora foram para o Tribunal Superior de Recursos e que se aguarda que saia uma decisão”.
“Se nós decidimos por sentar é porque não queremos ver aquela obra destruída, não essa a nossa vontade”, comenta a nossa fonte, apontando que “o Banco de Moçambique não quer pagar as contas que deve”.
Nos dias que correm, as obras voltam a ser executadas e com um tom de término para breve, e Momade Aquil Rajahussein conclui que “nós quando soubemos que as obras tinham reiniciado, mandamos correspondência, tanto para o Banco de Moçambique como para o empreiteiro da obra, a recordar-lhes que estavam a praticar um acto ilegal, porque a providência cautelar é válida e vigente. Quando não obtivemos respostas entramos com um processo de desobediência qualificada e o Tribunal Superior de Recursos disse que há um processo a correr sobre este caso e que devia se respeitar. Quando nós recebemos essa resposta intimamos ao Banco de Moçambique e a empresa construtora a dizer para parem. Agora faz me confusão a alma de como é que uma instituição do Estado não cumpre o que a lei e os tribunais dizem”.
O Ikweli entrevistou o jurista e docente de Direito Civil, Bogaio Nhancalaza, para entender sobre os procedimentos desta natureza, tendo dito que “em termos de embargo, há pressuposto. Se houve embargo de obra e ela continua tem das duas uma, o facto de a obra ter sido embragada o requerente tem 30 dias para intentar a acção principal para reivindicar se é proprietário da obra ou se tem a posse da obra”.
“Se o requerente não tiver intentado a acção principal, a outra parte pode continuar com a obra, se tiver o feito e ser for embargada a obra então ela tem que parar”, esclarece o jurista, concluindo que “se o Estado pega o espaço tem de indemnizar a quem tenha o DUAT”. (Texto: Aunício da Silva *Fotos: Hermínio Raja)