“Antes dos ataques de Mocímboa da Praia: Nampula e Niassa apresentavam dinâmicas de insurgência” – conclui IESE, que refere ao bairro de Mutotope como um dos principais pontos da existência de células religiosas radicais

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nascer em Mocímboa da Praia para ser violentando por militares

Nampula (IKWELI) – O Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) refere em uma das suas publicações que as províncias de Nampula e Niassa, no norte de Moçambique, já apresentavam evidencias da existência de células religiosas de tendência radical antes do primeiro ataque terrorista a vila da Mocímboa da Praia em Outubro de 2017.

“Antes do primeiro ataque a Mocímboa da Praia, em Outubro de 2017, já havia evidências da existência de células religiosas de tendência radical em alguns distritos de Nampula e Niassa. Com a eclosão da violência armada, essas células passaram a funcionar como elementos importantes no recrutamento para engrossar as fileiras dos insurgentes em Cabo Delgado. Quando se olha para o processo de instalação dessas células, é interessante verificar a semelhança que existe com o que aconteceu nos distritos de Cabo Delgado, em termos de etapas: primeiro são estabelecidas as células religiosas e, mais tarde, as células militares. As nossas entrevistas mostram que as células religiosas foram estabelecidas por indivíduos Tanzanianos ou Moçambicanos que frequentaram mesquitas de tendência salafista na Tanzânia”, lê-se Ideias, uma publicação regular do IESE, distribuído na tarde desta terça-feira a partir de Maputo.

O mesmo documento da co-autoria dos académicos Salvador Forquilha e João Pereira prossegue que “quando esses indivíduos chegaram a Nampula e Niassa, eles procuraram, primeiro, penetrar nas mesquitas locais. Exemplo disso são os casos da zona de Mutotope, arredores da cidade de Nampula, em 2017, ou ainda de Memba, em 2016 (província de Nampula); Mecula, em 2017, e Lichinga, em 2014/15 (província de Niassa). Em todos estes casos, à semelhança do que aconteceu em Cabo Delgado, eles encontraram resistência por parte das lideranças religiosas muçulmanas locais, quer do Conselho Islâmico de Moçambique (casos de Lichinga e Mutotope), quer do Congresso Islâmico (caso de Mecula). Na sequência disso, decidiram construir seus próprios locais de culto (mesquitas). A resistência por parte das lideranças religiosas foi acompanhada por denúncias junto das autoridades locais, à semelhança do que aconteceu nos distritos de Cabo Delgado nos momentos iniciais do fenómeno”.

Toda via, segundo a mesma análise, “é importante referir que, diferentemente de Cabo Delgado, as células de Nampula e Niassa não conseguiram militarizar-se e desencadear acções armadas de grande envergadura contra as instituições do Estado e populações civis. Esta diferença pode estar relacionada com, pelo menos, dois factores, nomeadamente: a) uma acção melhor coordenada em Nampula e Niassa entre as autoridades governamentais e as lideranças religiosas muçulmanas locais na denúncia dos elementos do grupo e, em alguns casos, sua neutralização; b) dificuldades por parte do grupo em estabelecer uma logística capaz de desencadear e alimentar ataques armados em Nampula e Niassa. Apesar disso, nas zonas onde o grupo conseguiu estabelecer células religiosas de tendência radical, essas células passaram a funcionar como polos importantes de recrutamento de jovens com vista à sua integração nas fileiras do Al-Shabaab nos distritos de Cabo Delgado”.

Ainda assim, segundo aponta o estudo, “evidências no terreno sugerem que os elementos que compõem o grupo dos Al-Shabaab não provêm unicamente de Cabo Delgado. Com efeito, dinâmicas associadas à evolução da violência permitiram que os Al-Shabaab instalassem uma vasta e complexa rede de recrutamento, viabilizando a incorporação de combatentes provenientes não só do estrangeiro, como também de diversos lugares do interior de Moçambique, com destaque para Nampula e Niassa, facto que, em grande medida, esvazia uma eventual tese de “guerra étnica.

No que se refere a Nampula e Niassa, as nossas entrevistas sugerem que os Al-Shabaab exploram as dinâmicas sociais, económicas, políticas e religiosas locais para efeitos de recrutamento, focalizando a sua acção em diferentes aspectos, nomeadamente clivagens religiosas dentro do Islão a nível local; clivagens étnicas; instrumentalização da narrativa anti-Estado/Frelimo; esquemas de microcréditos com vista a impulsionar pequenos negócios dos futuros recrutas; promessas de emprego em Cabo Delgado no sector da pesca (para o caso dos jovens provenientes dos distritos costeiros de Nampula) e na mineração e outro tipo de actividades (para os jovens provenientes dos distritos de Niassa)”.

Por outro lado, o mesmo documento avança que “em muitos casos, os incentivos dos recrutas baseiam-se essencialmente em dois aspectos: salários altos, que se acredita que existem em Cabo Delgado; possibilidade de melhoramento das condições de vida. Em termos de grupo-alvo, o processo de recrutamento visa essencialmente jovens, na sua maioria em condições de grande vulnerabilidade, cristalizada na ausência de emprego e perspectivas com destaque para os distritos do litoral de Nampula (Angoche, Mossuril, Nacala-a-Porto, Nacala-a-Velha e Memba) e os distritos do Niassa limítrofes da Tanzânia (Lago, Sanga e Mecula) e Cabo Delgado (Marrupa). Nestas circunstâncias, os Al-Shabaab estruturam o seu discurso de recrutamento com recurso à manipulação de factores de ordem não só religiosa como também de contestação do Estado. As nossas entrevistas mostram que as estratégias de recrutamento usadas pelos Al-Shabaab bem Nampula e Niassa assentam essencialmente nas dinâmicas do contexto local, facto que torna o recrutamento um fenómeno contextualmente determinado. Por conseguinte, conhecer as dinâmicas do contexto local constitui uma condição fundamental para o combate à insurgência. Nesse sentido, acções de contra-insurgência, no contexto dos chamados programas de “contra extremismo violento”, não podem ser desenhadas e implementadas no norte de Moçambique com base em modelos oriundos de outros contextos, sob o risco de reproduzir e reforçar as tensões locais, exploradas e mobilizadas pelos insurgentes para efeitos de recrutamento”.

“Embora Cabo Delgado continue a ser o epicentro da violência armada que se vive no norte de Moçambique, evidências no terreno mostram que a insurgência tem ramificações geográficas complexas através da instalação de células religiosas de tendência radical e mecanismos de recrutamento fora de Cabo Delgado, com destaque para Nampula e Niassa. Neste contexto, a violência armada no norte de Moçambique exige uma abordagem que deixe de olhar para Cabo Delgado como uma “ilha” para se interessar às dinâmicas presentes nas outras duas províncias, tal como nos referimos ao longo do texto, porque, afinal, não é só Cabo Delgado”, conclui o Ideias nr. 138. (Aunício da Silva)

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