Nampula (IKWELI) – O empoderamento da mulher em Moçambique, em particular na província de Nampula, a mais populosa do país, ainda continua a ser um desafio para este grupo social, pese embora haja, nos últimos anos, relativa evolução nesta componente.
Dados do último censo populacional de 2017 indicam que a província de Nampula conta com mais de sete milhões de habitantes, dois quais mais de 50 porcento são mulheres, grupo social que, também, é maioria em Moçambique. Ainda assim, as mulheres continuam a liderar a baixa representatividade no poder político-governamental em quase todos os sectores, uma situação que as inquieta bastante.
A título de exemplo, a província de Nampula conta com sete autarquias, mas nenhuma delas é gerida por uma mulher, apesar de ela estar representada, também em número reduzido, nas Assembleias Autárquicas quase sem nenhuma posição de relevo.
Para as mulheres da província de Nampula, a falta de empoderamento tem contribuído sobremaneira no aumento de casos de violência doméstica e abuso sexual contra as mulheres e raparigas bem como a privação de liberdade de expressão no seio das comunidades e nos lares.
Os dados sobre violência contra a mulher e a rapariga, em Nampula, são cada vez mais assustadores, devido ao facto de as comunidades terem despertado ao facto de tais práticas serem crimes. Actualmente, e em muitas comunidades, as uniões prematuras, por exemplo, já não são toleradas, e quando detectadas são denunciadas as autoridades competentes. O mesmo acontece com as violações e abusos sexuais que encontravam assento de resolução nos consensos familiares.
O percurso e victória…
Algumas mulheres entrevistadas pelo Ikweli, assumem não ser um processo fácil o empoderamento delas, mas apontam que o primeiro passo, para alcançar a liberdade feminina na sociedade, começa com a independência no lar, vencendo o machismo e passando pela liberdade financeira.
A dona Cristina da Conceição, de 60 anos de idade e residente na cidade de Nampula, é aposentada no Ministério da Saúde há 4 anos, onde desempenhou as funções de enfermeira. Actualmente, a idosa dedica-se a arte de corte e costura, no centro da cidade de Nampula, onde tem a sua própria alfaiataria.
Cristina contou que durante a sua formação viu mulheres que desistiram do curso, por causa dos seus parceiros, mas no lugar de ela, também, abandonar, ganhou a coragem de desafiar os mesmos obstáculos que forçaram as suas colegas a desistirem.
Ela entende que a dependência aos seus esposos é um dos maiores problemas que trava o empoderamento da mulher, daí que incentiva as mesmas a começarem a criar iniciativas empreendedoras que possam garantir o sustento das suas despesas diárias.
A nossa entrevistada revelou-nos que, através da sua actividade de costureira e com parte do seu salário de enfermeira, conseguiu realizar quase todos os seus sonhos, entre os quais custear a formação superior dos seus filhos, e diz ter conseguido graças a sua auto-determinação, pese embora existam pessoas que não acreditavam que ela seria independente. Por isso, a senhora Cristina considera-se livre e empoderada, pois, apesar da falta de oportunidades, trilha os mesmos patamares com os homens.
“A mulher deve sempre se auto confiar, e saber que ela pode estar em qualquer patamar, desde que ela lute e acredite em si”, disse a nossa entrevistada, que revelou que nunca permitiu que o seu parceiro a privasse de liberdades.
“Uma mulher tem de ir à luta, não só para ser empoderada, como também, para ajudar ao seu parceiro. Não precisa esperar ter um emprego, basta que não fique parada; entrar no grupo de mulheres para fazer poupança, fazer um negócio, qualquer coisa, mas sempre procurar ser independente, só assim poderá ser uma mulher empoderada”, rematou.
Ana Figueiredo, de 42 anos, também, considera-se empoderada. Casada e mãe de três filhos, Ana é formada em Psicopedagogia. À semelhança da dona Cristina, ela lamenta o crescente número de mulheres que ainda continuam prisioneiras nos seus lares.
A nossa interlocutora advoga que uma mulher empoderada pode mudar o mundo, por isso encoraja a união dos esforços para alcançar essa posição, bem como a igualdade de género em todas as frentes da sociedade. “Uma mulher empoderada sabe o seu lugar e partilha conhecimentos para o desenvolvimento do país, espero que todas as mulheres percebam isso”, disse.
O Ikweli apurou que, apesar de forma tímida, nas zonas rurais o empoderamento da mulher está se fazer sentir. Um exemplo concreto é da dona Katiza de Lurdes, de 35 anos, residente no Posto Administrativo de Anchilo, no distrito de Nampula. Katiza revelou-nos que no passado sofreu bastante para se livrar da dependência directa do seu parceiro, mas mercê de incentivos de amigas que ultrapassou essa barreira, através da aderência de grupos de crédito e poupança rotativa.
Como resultado, a jovem conseguiu abrir o seu próprio negócio, e actualmente, vende comida confeccionada na sua zona.
Presentemente com cinco colaboradores, Katiza conta que se dependesse do seu parceiro ela nem sequer teria concluído o ensino médio, e que hoje estaria a gerir um negócio que emprega outros seus compatriotas. “O meu marido é machista! Se dependesse dele nem teria terminado a 12ª classe, mas hoje ele fica feliz, pois consigo ajudar nas despesas de casa. Não esperei ter um trabalho do escritório. Nenhuma mulher vai se sentir empoderada enquanto não for independente. Eu fui à luta e hoje sou dona de um negócio que me dá dinheiro para sustentar a minha família, por isso as mulheres só serão livres se deixarem de ser dependentes dos esposos”, disse.
O preconceito dos homens
Numa altura em que toda a sociedade luta pela igualdade de género e empoderamento da mulher, há homens em Nampula que ainda pensam que o empoderamento feminino está a ser justificação para a falta de respeito nos lares, e segundo eles, não vai ajudar em nada no desenvolvimento do país, apesar de ser notável a existência de muitas mulheres que fazem diferença com os homens.
Edson Malique é uma das vozes que não concorda muito com a igualdade e empoderamento feminino, pelo facto de, segundo disse, estar a fomentar muita crise de relacionamento nos lares, por conta da incorrecta interpretação do empoderamento.
O nosso entrevistado diz, por exemplo, que na sua residência ele e sua esposa têm emprego, mas ele tem de, mensalmente, suportar todas as despesas de casa, pagar escolas das crianças e inclusive suportar todas as necessidades básicas da sua parceira.
“As mulheres só cantam igualdade de género, mas no final das contas elas não querem ajudar a pagar as contas de casa. Minha mulher é licenciada em contabilidade e, actualmente, trabalha numa empresa privada, mas ela nunca tem dinheiro para as despesas de casa”, disse esta fonte, para depois questionar “onde está essa igualdade de género?”.
Rúben José é um outro cidadão que se opõe os que defendem a igualdade de género e o empoderamento da mulher, por entender que, em termos materiais nada muda. “Nossas mulheres já mentalizam que quem deve pagar às contas é o homem, mesmo que elas trabalhem”, disse, para depois questionar que “a final essa igualdade de género que tanto almejam é para que finalidade?”.
A luta continua…
Organizações feministas, incluindo o governo, continuam a lutar pela igualdade do género e empoderamento da mulher, por isso advogam o entendimento da causa.
A Associação Moçambicana de Mulheres de Careira Jurídica (AMMCJ), uma organização que defende os interesses das mulheres, manifesta a sua insatisfação pela prevalência de mulheres que ainda continuam a negar a mudança rumo a igualdade e empoderamento.
“A falta de auto-confiança e determinação para vencer continuam a deixar muitas mulheres privadas de liberdade”, disse Licínia Aligy, delegada da AMMCJ na cidade de Nampula. A nossa entrevistada anotou que a sua agremiação está a trabalhar em prol da defesa das mulheres que ainda não alcançaram o empoderamento e que ficam submetidas a diversos tipos de violência.

“Usamos o método de aconselhamento e acompanhamento dos casos, de modo a demonstrar as mulheres que é preciso que saibamos que para alcançar o empoderamento o primeiro passo é se tornar independente”, disse a fonte.
Entretanto, o governo, através da direcção provincial do Género, Criança e Acção Social em Nampula, reitera o comprometimento de garantir a valorização dos direitos da mulher, bem como o incentivo ao empreendedorismo como forma de sair da dependência.
De acordo com Hermenegilda Miguel, da direcção provincial de Género, Criança e Acção Social, actualmente a instituição trabalha com um total de 7.457 (Sete mil, quatrocentos e cinquenta e sete) mulheres, distribuídas em diferentes associações e/ou grupos de mulheres onde tem disseminado vários instrumentos legais que defendem aquele grupo social.
“Nós temos divulgado leis”, disse a fonte, apontando a “lei contra a violência doméstica e a lei da família, para salvaguardar os direitos das mulheres e raparigas. Temos organizado vários debates e palestras nas comunidades, e actualmente estamos a trabalhar com cerca de 369 associações femininas onde incentivamos a criação de projectos de rendimentos para posteriormente angariarmos parceiros para o seu financiamento”, concluiu a fonte governamental. (Texto: Elisabeth José *Fotos: Hermínio Raja)