Nampula (IKWELI) – As uniões prematuras e as consequentes gravidezes precoces resultantes da prática continuam a comprometer o futuro de raparigas na província de Nampula, no norte do país.
Nas comunidades, há um consolo cultural que se cria para minimizar a dor das vítimas, aceitando-se a submissão de práticas prejudiciais para as suas próprias vidas. Sensibilizado com o esforço das campanhas de promoção e defesa dos direitos da criança, o governo da República de Moçambique conseguiu fazer aprovar e pôr em vigor uma lei que criminaliza, especificamente, as uniões prematuras.
As vítimas dessas práticas são forçadas a prática de actividades sem capacidade fisiológica necessária preparada para o efeito.
Em termos de saúde, há registo, em colação, de casos de desnutrição crónica, fístulas obstétricas, e há ainda a retirada de raparigas menores das casas dos seus pais, bem como a interrupção dos estudos.
Uma investigação levada a cabo pelo Ikweli, em algumas comunidades dos distritos de Nampula, apurou que a justificação, muitas vezes, dada para suportar essas práticas está ligada com questões de índole financeira. Muitas vezes vêm-se obrigadas a impor casamento antes da idade as suas filhas para dai tirar proveitos económicos.
Com 16 anos de idade, a adolescente A. Almeida tornou-se esposa aos 13 anos de idade, alegadamente para poder cuidar dos seus irmãos, uma vez que foi nesta altura que eles perderam os seus progenitores.
Na altura, esta rapariga frequentava a 4ª classe, mas teve de abandonar. Foi mesmo na sede do posto administrativo de Anchilo, no distrito de Nampula, onde a vítima vivia com os seus pais e seus três irmãos mais novos. Com a morte dos pais, ela viu-se obrigada a juntar-se maritalmente com um jovem de 27 anos de idade, como forma de conseguir sustento para os seus irmãos.
Momentos depois, a rapariga ficou grávida, e quis o azar que não arreda-se o pé dela. O seu marido perdeu a vida, e muito cedo tornou-se numa mãe viúva.
Com esta situação, A. Almeida teve de redobrar esforços para colocar, pelo menos, uma refeição diária em casa. Esse esforço trouxe consigo problemas de saúde, e depois que deu a luz não tirava leite para o seu filho. “Nas noites sentia muita dor, e a minha mama [esquerda] só saia pus e não conseguia amamentar o meu bebé”, disse a adolescente.
No meio desta situação, a rapariga ainda não perdeu a esperança de ter uma vida saudável, por isso passou a ter assistência médica no Centro de Saúde de Anchilo, e mais tarde, pela gravidade da situação, foi transferida para melhor assistência para o Hospital Central de Nampula. “Ainda estou a fazer tratamento, porque no meu coração permanece uma esperança de um dia melhorar e poder trabalhar duro para alimentar os meus irmãos e a minha filha”.
A escola ficou mesmo para a história da A. Amélia, tanto quanto as brincadeiras e amizades da infância, ainda que sempre sonhasse em ser professora.
No Hospital Central de Nampula conhecemos a adolescente R. Cândido, de 17 anos de idade. Oriunda do distrito de Larde, esta rapariga, também, teve os seus sonhos interrompidos aos 12 anos de idade, quando frequentava a 5ª classe.
A sua gravidez, também, teve complicações, e o seu casamento forçado foi o início de um sofrimento. Primeiramente, conta-nos esta fonte que para reparar as complicações da gestação recorreu a medicina tradicional, mas sem sucesso.
Pela procura tardia da medicina convencional, as complicações da gravidez transferiram-se para a adolescente mãe após o nascimento da criança, dai que começou a ter incontinência urinária e fecal.
Estando distante dos centros urbanos, e sem acesso a informação, a adolescente, aconselhada pela família, voltou a recorrer a medicina tradicional, defendendo-se que estava sendo vítima de feitiço.
Devido a esta situação de saúde, meses depois o marido a abandonou. “Ninguém queria ficar perto de me. Todos me fugiam, porque eu cheirava mal. Até o meu marido abandonou-me”.
Graças a intervenção de uma professora da sua comunidade, a adolescente foi encaminhada para um hospital, a fim de ter assistência médica. Foi a partir do hospital que lhe foi diagnosticada a fístula obstétrica. Após o tratamento, a adolescente sente-se melhor e com esperança de voltar a estudar.
A menina Maria, de 13 anos de idade, foi jogada ao lar pela sua própria mãe, e o seu marido é um homem muito mais velhos.
A dona Ancha, mãe da Maria, queria ter uma vida melhor, e encontrou na filha a única fonte de prover melhores condições a família. A gravidez precoce e a falta de assistência especializada levou a morte a menor
Lideranças tradicionais no combate ao mal
Se no passado as lideranças tradicionais e comunitárias apadrinhavam estas práticas, na actualidade, elas tem vindo a sensibilizar as famílias para colocarem as suas filhas, sobretudo menores de idade, submissas a estas situações.
“O processo é longo”, reconhecem os líderes comunitários entrevistado pelo Ikweli, mas apelam para que não se desista.
O senhor Enes Alberto é o líder comunitária do bairro Nulone B, em Anchilo, e na sua intervenção apontou que a culpa, também, não deve ser exclusivamente dos pais e encarregados de educação, porque “essas nossas filhas de hoje não ouvem, não querem ser ditas, as vezes são elas mesmas que chegam em casa e apresenta-nos os seus maridos e abandonam a escola”.
Para a professora Sílvia Carlos, a culpa é mesmo dos pais e encarregados de educação que obrigam as suas filhas a casarem-se cedo, como forma de melhorar as usas vidas.
“Infelizmente, o casamento prematuro ainda é uma realidade no nosso país, particularmente nas zonas rurais”, disse a educanda, para depois avançar que “a pobreza influencia para que os pais e encarregados de educação permitam casamentos prematuros. Por exemplo, eu tenho uma aluna que desistiu da escola porque foi dada de promessa para um noivo, pelos pais, em troca de capulanas e celulares”.
A luta é de todos
Activistas sociais e organizações da sociedade civil promovem, afincadamente, campanhas de luta contra este fenómeno.
A província de Nampula é uma das que apresenta elevados índices de uniões prematuras.
“São várias as dificuldades que temos no dia-a-dia. Trabalhamos mais com comunidades rurais que não sabem o valor da escola, temos nos encontrado com pais que, definitivamente, não entendem a importância de adiar o casamento, porque, segundo eles, é a cultura que obriga a rapariga a casar logo que começar a ter seios e pelos na axilas”, disse, lamento a Gestora de Protecção a Rapariga na organização Girl Move, Jubeda António.
Esta fonte aponta a existência de hábitos e costumes nocivos para a rapariga, como sendo parte dos principais elementos que concorrem para a aceitabilidade das uniões prematuras nas comunidades.
Consequências para a saúde
A médica ginecologista, Doutra Mayela Figia, explicou ao Ikweli que, tanto as uniões prematuras assim como as gravidezes precoces, trazem consigo prejuízos consideráveis na saúde da rapariga, porque “o casamento prematuro implica a paragem da vida estudantil e social da menina, a alteração do seu ritmo de crescimento e desenvolvimento físico e sexual normal, e consequentes alterações do seu estado de saúde”.
“Uma rapariga pode ter várias complicações ao desenvolver uma gravidez durante a adolescência, o que irá alterar, de certa forma, o desenvolvimento normal mental, físico, sexual e reprodutivo desta menina, pois o organismo não está preparado para o desenvolvimento de uma gravidez”, disse a nossa fonte.
De acordo com esta especialista, “a gravidez pode ocorrer com complicações, relacionadas a malnutrição materna, atraso de desenvolvimento fetal, risco de parto prematuro e, também, ao surgimento de doenças durante a gravidez, como a elevação da tensão arterial. O parto, também, pode decorrer com complicações relacionadas a interrupção do desenvolvimento das estruturas anatómicas da pélvis maternal, ou seja, o canal de parto não está preparado para este evento, o que pode levar a partos complicados, aumentado de risco de hemorragia antes e depois do parto, risco de perda do bebé ou da própria mãe, ruptura uterina, fístula obstétrica, entre outras doenças”.
Segundo a Doutora Mayela, 90% dos casos de fístula obstétrica que dão entrada no HCN são de adolescentes da idade compreendida entre os 13 aos 17 anos de idade. (Elisabeth José)