Uma investigação de três anos revela como dez milhões de Dólares Americanos programados para combater a destruição ambiental colapsa em Moçambique.
Maputo (IKWELI) – O que era antigamente a floresta de Massaca, na Província de Manica parece-se agora com uma série interminável de campos de futebol. Ciclones estão a destruir a esperança de colheitas na Beira, Zalala e Lugela na Zambézia. Na Reserva Nacional de Marromeu búfalos, hipopótamos e macacos esfomeados e com sede vagueiam pelas vilas, alimentando-se das poucas fontes de alimento. Habitantes do distrito de Massingir, ao sul, queixam-se de que nos últimos 3 anos mais de mil bovinos sucumbiram devido à seca e calor intenso. A outrora exuberante Manica, como Massaca, é agora improdutiva – neste caso devido ao corte de madeira e à mineração negligente de ouro, com rios vermelhos por causa destas actividades. O recente ciclone que afectou a Beira destruiu o que havia sobrado de cheias anteriores, enquanto que os mosquitos transmissores de malária e a cólera proliferam nos charcos.
Com vilas e paisagens atormentadas pelas mudanças climáticas, a seca e a exploração gananciosa por parte de políticos e seus parceiros internacionais, organizações da sociedade civil tentam deter a maré. Organizações Não-Governamentais (ONG´s) e activistas, em todas as localizações acima mencionadas tentam combater a miséria que se propaga através da plantação de árvores e distribuição da biomassa para que os habitantes possam cozinhar sem ter que utilizar madeira. Protegem, também, cursos de água e estruturam organizações comunitárias para vedarem e evitarem conflitos com animais bravios. Mas as suas actividades são impedidas e em muitos casos, totalmente, interrompidas uma vez que um fundo dedicado das Nações Unidas, que alocou fundos a 45 ou 58 projectos desse tipo entre 2013 e 2015 nunca viu a transferência dos fundos realizada.
Na página web os projectos vêm ainda marcados com ‘para iniciarem em breve’
O Pequeno Programa de Fundos Ambiental (SGP) do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP), equipado com milhões de Dólares Americanos, precisamente, para esse tipo de actividade, era uma referência de esperança para muitas associações comunitárias em Moçambique. A página web do SGP diz que oferece doações até 50.000 USD “directamente a comunidades locais” para projectos que “conservam e restauram o ambiente, ao mesmo tempo que melhorando as condições de vida”. Mas das 58 ONG´s que foram eleitas quando os seus projectos foram aprovados durante uma fase de candidatura em 2013, apenas 13 receberam os fundos. As restantes 45 estão marcadas na página web “Memorando de Entendimento (MoA) a ser finalizado e assinado” ou “projecto a iniciar em breve (MoA assinado)”, com o último ponto que marcaria que o pagamento foi feito em falta. Vinte e seis das organizações que foram contactadas no local, e sete que foram entrevistadas por telefone ou e-mail, confirmaram ter solicitado, repetidamente, a transferência dos fundos mas nunca receberam respostas por parte dos gestores nacionais do SGP, precisamente Paula Boene e Augusto Correia.
Os locais onde os projectos deveriam ter sido implementados têm, portanto, pouco a mostrar às boas intenções do programa. Na Província de Gaza, ao sul, onde se enxergam campos de cultivo secos a perder de vista, pelo menos dez projectos deveriam estar a plantar árvores e a iniciar machambas comunitárias.
Quando se conduz de Chimoio a Macate, passando por Massaca, onde outros projectos deveriam estar a executar actividades semelhantes, não se encontram novas árvores.
A ONG Kulima em Metuge, próximo de Pemba, no norte, tencionava lutar contra a degradação e ajudar comunidades locais a obterem melhores colheitas, com actividades adicionais em torno da divulgação e prevenção do HIV/Sida e da educação eleitoral. “Mas apesar de termos passado na fase de aprovação, nunca chegámos ao estágio ‘verde’ em que os fundos teriam sido reembolsados. Não conseguimos obter quaisquer informações. Estamos muito desapontados”, disse o Sr. Domenico Lizzi da Kulima. Segue-se um suspiro e um silêncio antes de desligar o telefone. “Já não quero falar mais sobre isto”.
Ofensivo e omisso
A história repete-se na Ponta do Ouro, a sul próximo da fronteira com a África do Sul. Tânia Pereira da ONG Centro Terra Viva (CTV) narra como o seu projecto marinho teria treinado a população em conservação ambiental e protecção de tartarugas marinhas como forma de atrair turistas. Mas, apesar do projecto ter sido aprovado em Julho de 2015, com a papelada, supostamente, a ser assinada ainda nesse mês, a CTV ainda está à espera. E embora a sua sede seja em Maputo, não muito longe dos escritórios da SGP/UNDP, Pereira, também, não conseguiu ainda obter quaisquer respostas da agência. “A única coisa que faltava era assinar o Memorando de Entendimento para que os fundos fossem desembolsados. Mas, até hoje não conseguimos que o mesmo fosse assinado e não temos quaisquer respostas do SGP às nossas comunicações”, disse ela.
Em Chimoio, as organizações ambientais Batsirai, Rio Tembwe e AMOR, que tentaram, também, durante anos comunicar com a UNDP depois de verem os seus projectos aprovados, não chegaram a lado nenhum, mesmo depois da ajuda do Director do Departamento Provincial do Ambiente, Tomás Mujui. “Como província sabemos que estes projectos foram aprovados em 2013. Deviam ter sido já financiados. Leve as minhas preocupações a Paula Boene, mas ela afirmou que devia preocupar-me com os meus assuntos e que o SGP iria agir directamente com cada organização”. No entanto, é precisamente no contacto entre o SGP e as organizações que o problema se encontra. Vários dos representantes de ONG´s entrevistados dizem que quando conseguiram falar com os escritórios do fundo, as respostas foram na maior parte das vezes “ofensivas” e “omissas”, com chamadas muitas vezes interrompidas.
Incrivelmente, a Associação para o Desenvolvimento Sustentável (ADS) no Niassa, que tencionava plantar árvores, combater queimadas e criar emprego alternativo para as comunidades locais que, neste momento, tem por actividade principal a caça de animais bravios, recebeu, recentemente, uma resposta aos seus pedidos de informação que vinham fazendo há anos depois do seus fundos aprovados nunca se materializaram. Mas a resposta não foi o que esperavam. Em vez dos 14.908 Dólares Americanos prometidos, foram informados de que o projecto estava ‘encerrado.’ “Eu estou na realidade revoltado”, disse o coordenador da ADS Sabite Salimo, acrescentando que “começo a perguntar-me se o dinheiro destinado a nós não terá sido desviado, lavado ou utilizado para outros objectivos?” Mas o facto é que na página web do SGP o projecto da ADS vem mencionado como “actualmente a ser executado”.
À espera de ser activado
De acordo com o Plano de Monitoria 2017-2018 do UNDP e SGP, fundos de 600 milhões de Dólares Americanos foram proporcionados a mais de 22.000 projectos em 125 países desde o seu lançamento em 1992. Destes 22.000 projectos, de acordo com a base de dados da SGP e confirmado pelos seus escritórios em Moçambique, o SGP providenciou fundos a 273 projectos a organizações da sociedade civil e comunitárias em Moçambique desde 2005. Afirma-se que o fundo geral alocado ao SGP em Moçambique terá atingido 5,4 milhões de Dólares Americanos com um valor adicional de 3,7 milhões co-financiados por outros parceiros, totalizando cerca de 10 milhões de dólares Americanos que deveriam ter sido despendidos em Moçambique desde 2005. Uma análise dos 273 projectos Moçambicanos listados na própria base de dados do GEF/SGP no início de 2018 mostra, no entanto, que mais de um terço dos fundos aprovados permanecem inacabados.
De acordo com o Relatório Anual de Monitorização 2017-2018 da Sede do UNDP em Moçambique, o próprio UNDP está bem ciente dos problemas com o programa SGP. “Depois de uma paragem temporária em 2011, a implementação do SGP em Moçambique fundiu: a taxa de conclusão desabou para uma mera percentagem de 13% em 2015 e permanece baixa em cerca de 40% em 2014 e 2016; 11 dos 30 projectos aprovados em 2015 permanecem no estado de “Ainda Não Activos,” diz o relatório. O departamento ambiental provincial, na pessoa do Sr. Tomás Mujui em Chimoio confirma: “a mesma coisa aconteceu na chamada de propostas em 2015: mais uma vez os projectos não receberam os seus fundos e mais uma vez os gestores recusaram-se a interagir comigo.”
Página web não totalmente actualizada
O gestor de comunicações da UNDP baseado em Maputo, Luís Zaqueu, no seu direito a resposta dos coordenadores do programa SGP, Paula Boene e Augusto Correia, informou que a página web “poderá não estar inteiramente actualizada” e que “seria necessário mais tempo para olhar para os acordos de financiamento actuais e relatórios associados por forma a determinar a situação desses projectos.” Mantém que “todos os passos dos projectos (dos projectos activos) estão completos, incluindo o pagamento de prestações dos fundos de acordo com o Memorando de Entendimento”.
Diz que o rótulo “ainda não activo significa que o projecto, embora aprovado pelo Comité Nacional Coordenador e (com) o Memorando de Entendimento preparado, os fundos estão ainda por desembolsar, pendentes, enquanto se aguarda que os procedimentos necessários sejam finalizados, incluindo a criação de uma conta bancária, registo das organizações de sociedade civil ou comunitárias como entidade legal”. Adiciona que os atrasos podem ser causados por falhas por parte das organizações recipientes, “considerando a frequente capacidade limitada das (organizações da sociedade civil) em implementar projectos e sabendo que por vezes não conseguem finalizar os projectos de acordo com o estipulado na cronologia do documento de projecto”.
Mas muito dos nossos entrevistados não aceitam tais afirmações. A sugestão de que não terão cumprido com a questão da conta bancária e dos requisitos legais é, totalmente, rejeitada por Tomás Mujui em Chimoio, que diz estar ciente de que as três organizações que cumpriram com todos os requisitos necessários. Tânia Pereira da CTV e Domenico Lizzi, também, confirmam ter preenchido todos os documentos necessários. Sabite Samilo da ADS possui ainda todos os detalhes do projecto de Niassa: “Mudanças climáticas e conservação em Niassa – Lichinga” código MOZ/SGP/OP5/Y3/S/STRART/CC/2013/45, foi aprovado para um orçamento de 14.908,91 Dólares Americanos em 2013. “Mas no dia 22 de Maio de 2017 o UNDP solicitou-nos de novo o nome da Associação, conta bancária e Código SWIFT”. Foi depois disso que receberam a chamada informando que o seu projecto estava ‘encerrado’.
“Isto é muito estranho”
Outros representantes de organizações ambientais locais expressaram, também, a sua preocupação em relação ao sistema de administração e fundos do UNDP. A principal coordenadora do Programa Justiça Ambiental, Terra, Vida e Ecossistema disse, “é problemático ter uma organização a aguardar por fundos garantidos para depois (lhe dizerem) nada. Não entendo como é que o SGP/UNDP pode trabalhar desta forma”. A Directora da WWF Moçambique adicionada: “a página web deveria clarificar acerca dos contractos e desembolso dos fundos. Não se pode ter um e não ter o outro. Isto é muito estranho. Eu acho que isto necessita de uma explicação do UNDP”. (Estácio Valoi)
Este artigo é parte do projecto Money Trail, apoiado por Nationale Postcode Loterij