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Governo com dificuldades de descobrir o inimigo no conflito armado de Cabo Delgado

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  • Como resultado, militares destacados para a região perseguem jornalistas e activistas de direitos humanos.

Pemba (IKWELI) – Longe dos holofotes e do mais importante perimetro de segurança instalado na avenida Julius Nyerere, na cidade de Maputo, famílias camponesas dos distritos de Nangade, Macomia, Mocímboa da Praia, Palma e Quissanga, no norte da província de Cabo Delgado, vivem momentos de terror há mais de dois anos.

Mulheres, crianças e jovens sofrem todos os dias. Na insegurança do que pode acontecer pela noite a dentro reiventam medidas de segurança própria para que mais mortes não aconteçam naquelas aldeias organizadas desde os tempos primordiais da independência nacional.

Por estes distritos há posições militares espalhadas por todas as esquinas. É um verdadeiro estado de sítio que se vive na região mas, ninguém, publicamente fala disso.

Jovens miliatres destacados para uma missão desconhecida, apenas, ocupam-se do consumo do álcool, sobretudo bebidas de fabrico local. Eles não conhecem o inimigo que “caçam” e arriscam a dizer que a situação é ainda mais complexa do que a de Gorongosa (conflito que opõe o governo e o braço armado da Renamo). Para as comunidades os militares semeiam terror no seio delas

Nossos contactos militares na região mostram um certo nível de desespero, segundo contam nas conversas que, frequentemente, mantemos.

De Maputo, sede do poder político moçambicano, nada se fala. Por vezes, Inácio Dina, porta-voz do Comando-Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM) apresenta algumas teorias no briefing que mantém nas terças-feiras com a imprensa mas, nem com isso as matanças e a destruição de habitações páram.

O Comandante-Geral da PRM, o bem articulado Bernardino Rafael, também, já veio várias vezes ao público avançar suas percepções sobre a situação. Aliás, este especialista em combate a pirataria já teria avançado nomes e captura dos líderes dos insurgentes mas, nem por isso, a situação amainou.

O Atanásio Mtumuke, o ministro moçambicano da Defesa, também, já falou das suas e classifica os insurgentes como jovens desempregados e sem conhecimentos para ingrenar para uma vida pacífica na sociedade.

Enquanto passam esses discursos, a população vai sofrendo. Quem escala por aqueles distritos não lhe sobra dúvida que a situação é grave.

O silêncio que se quer

 Jornalistas do sector público baseados na província de Cabo Delgado tem ordens superiores, e bastante claras, para não reportar a situação, por isso, instalou-se um medo enorme nos escribas dos órgãos de informação público ali existentes.

A memória que existe de uma reportagem a respeito foi mesmo no começo do conflito quando, Floriberto Fernandes, da TVM em Pemba, fez uma produção noticiosa no meio do fogo cruzado.

Nosso colaborador na cidade de Pemba apurou que a ordem de enveredar pelo silêncio foi bastante acatada que os jornalistas mesmo fora do ambiente de trabalho escusam-se há algum comentário a respeito.

A única aparição de histórias noticiosas ligadas ao conflito armado que se vivem em Cabo Delgado nas estações públicas de Pemba é mesmo quando se trata de uma informação oficial. Mais do que isso, o jornalista corre risco de perder emprego.

“Nós já nos foi dito para não falarmos desse assunto”, disse uma jornalista de um órgão público ao nosso jornal.

Este silêncio forçado dos órgãos de informação públicos é ainda mais grave quando na situação de defender interesses da população as mesmas estações divertem os seus utentes com informações enganosas, pois, o certo é que naqueles distritos está a se morrer.

Não somente a população indefesa está a morrer mas, também, jovens militares destacados para aquelas missões.

Perseguição a jornalistas e activistas de direitos humanos

 Desesperados e sem saber como dar um relatório plausível aos dirigentes que “relaxados” vivem do melhor na capital do país, os jovens militares viram-se forçados a identificar novos inimigos.

Neste caso são jornalistas independentes e activistas de direitos humanos que procuram, a todo o custo reportar a violação dos direitos humanos na região, bem como a situação que as populações locais vivem.

Em finais de Dezembro do último ano, o jornalista Estácios Valoi foi vítima das investidas dos militares. Capturado e sem direito a defesa foi obrigado a manter-se numa posição militar no distrito de Mocímboa da Praia.

Valoi estava na companhia de um investigador de direitos humanos e do seu assistente. Os três viram-se o seu equipamento de trabalho confiscado pelos militares, incluindo telefones celulares.

Até agora o equipamento que inclui computadores e camêras fotográficas está com os militares, depois que foram violadas as suas contas de email e redes sociais.

Já no começo deste 2019, os militares brindaram ao mundo com a detenção de mais um jornalista. Desta vez, o azar foi para o coordenador da Rádio Comunitária Nacedje, localizada na sede do distrito de Macomia, Amade Abubacar, o qual apenas fez o seu trabalho, publicando o dilema pelo qual famílias que abandonam as zonas propensas aos ataques estão a passar.

Amade Abubacar foi transportado numa viatura militar para uma base localizada no distrito de Mueda, como se de um criminoso se trata-se.

Tal como Estácio Valoi e seus acompanhantes, Amade Abubacar, também, viu os seus direitos fundamentais, liberdades e garantias violados. Torturado psicologicamente para assumir informações produzidas pelos militares desesperados, o jovem continua no cativeiro destes.

Pelo mundo a fora já há posições a repudiarem o cenário de perseguição de jornalistas. O Comité para a Protecção de Jornalistas e a Amnistia Internacional já, publicamente, manifestarem a sua preocupação com o cenário.

“As autoridades moçambicanas devem libertar imediata e incondicionalmente o jornalista Amade Abubacar da detenção arbitrária pelas forças militares e pôr termo à crescente repressãodos jornalistas”, declarou a Amnistia Internacional em comunicado.

“Amade Abubacar é um jornalista respeitado que estava a recolher testemunhos sobre a fuga de pessoas a ataques letais em Cabo Delgado quando foi apreendido pela polícia. Esta é a mais recente manifestação de desprezo pela liberdade de expressão e pela liberdade dos média por parte das autoridades moçambicanas, que vêem nos jornalistas uma ameaça e os tratam como criminosos”, disse Tigere Chagutah, Director Adjunto da Amnistia Internacional para a África Austral.

“Amade Abubacar está a ser mantido em detenção solitária, sem acesso a um advogado nem respeito pelos procedimentos adequados. As autoridades moçambicanas devem libertá-lo imediata e incondicionalmente e assegurar que os jornalistas consigam fazer o seu trabalho sem medo de represálias”, precisou Tigere.

Tigere Chagutah comenta que “em vez de perseguir os jornalistas que reportam os ataques em Cabo Delgado, as autoridades moçambicanas deveriam tentar compreender as causas profundas da violência e tomar medidas para proteger os cidadãos,” comentou. (Aunício da Silva)